Parece difícil conectar esses dois assuntos, mas não é isso que os artigos mais recentes têm demonstrado...
Muitos processos fisiológicos apresentam flutuações ao longo do dia e da noite — e isso é absolutamente normal. Essas variações são acompanhadas por mecanismos de compensação controlados pela homeostase. Elas ocorrem nos níveis hormonais, na liberação de neurotransmissores e também na sensibilidade dos receptores e na disponibilidade dessas moléculas nos diferentes tecidos.
Mas... nem sempre esses mecanismos estão funcionando direitinho.
Quando há uma desregulação nos ritmos dessas moléculas ou na sensibilidade dos seus receptores, ocorre um descompasso nas respostas celulares em vários tecidos. Isso pode gerar um efeito dominó nada legal. Ou seja: a manutenção da ritmicidade endógena é essencial para a saúde! A perda dessa ritmicidade é um fator de risco para o desenvolvimento de várias condições clínicas — tanto metabólicas quanto psicológicas.
E adivinha quem aparece no meio dessa bagunça? Ela mesma: a inflamação crônica e sistêmica de baixo grau.
Ritmos circadianos, estresse e metabolismo
Os ritmos circadianos se comunicam diretamente com o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). Estudos recentes mostram que distúrbios circadianos e estresse crônico estão associados ao ganho de peso, obesidade e alterações no comportamento alimentar e no metabolismo.
Como já vimos (e continuaremos vendo em alguns textos), apetite, ingestão alimentar e balanço energético são regulados por diversas regiões cerebrais — e os neurotransmissores da fome e saciedade estão no centro disso tudo.
Sabe o que mais afeta esses neuropeptídeos reguladores da fome? O estresse. Especialmente quando ele se junta à cronorruptura (alterações dos ritmos biológicos naturais). Resultado: mais descontrole alimentar, mais risco metabólico.
Esse estresse constante pode alterar os ritmos circadianos e levar a distúrbios metabólicos. E é aí que a inflamação entra com tudo. Na obesidade, por exemplo, o tecido adiposo visceral acumula células pró-inflamatórias — o que contribui para a resistência à insulina e para a progressão do diabetes tipo 2.
Inflamação crônica e resistência à insulina (e à leptina também)
A inflamação crônica de baixo grau, tão comum na obesidade, é uma das principais causas de resistência à insulina. A presença constante de citocinas inflamatórias circulantes atrapalha a sinalização normal da insulina. É como se o receptor "desaprendesse" a reconhecer a insulina. Com isso, a glicose não entra nas células, se acumula no sangue, e... bem, temos aí o começo do caos.
Isso não acontece só nos órgãos periféricos, mas também no cérebro — e o controle do comportamento alimentar também fica comprometido, porque a insulina é um dos sinais de saciedade.
Resultado? Hiperglicemia crônica, resistência à insulina e ganho de peso progressivo.
Tecido adiposo em equilíbrio (homeostase) vs. inflamação
Antes de entender o problema, é preciso entender como seria o ideal.
O sistema imune tem um papel fundamental na manutenção do equilíbrio do tecido adiposo. Em condições saudáveis, ele inibe a inflamação local e produz citocinas anti-inflamatórias (como IL-4, IL-5 e IL-13). Além disso, o tecido adiposo libera adipocinas — mensageiras que regulam o metabolismo e interagem com as células do sistema imune.
Um exemplo? A adiponectina — uma das adipocinas mais estudadas — que atua de forma parecida com a insulina: ajuda a captar glicose e ainda tem efeitos anti-inflamatórios potentes.
Mas tudo muda quando o tecido adiposo começa a inflamar.
E quando o tecido adiposo inflama?
Nas fases iniciais do ganho de peso, ocorre um aumento no tamanho dos adipócitos e um discreto acúmulo de células imunes. Até aí, o corpo consegue se ajustar. É o famoso "engordei nas festas de fim de ano, mas depois voltei ao normal".
O problema aparece quando o ganho de peso se prolonga: começa a haver acúmulo de células inflamatórias no tecido adiposo, especialmente o visceral. Isso gera uma inflamação local que pode se espalhar para o corpo todo.
Com o aumento progressivo do tecido adiposo, há uma alteração nas adipocinas: a adiponectina diminui e a leptina aumenta. Inicialmente, a leptina ainda tenta fazer seu trabalho — inibindo o apetite e controlando o peso. Mas, com o tempo, o cérebro fica resistente à leptina.
Pronto: temos resistência à insulina + resistência à leptina + inflamação crônica = um terreno fértil para doenças metabólicas.
Radicais livres, estresse oxidativo e inflamação
O ganho de peso também está ligado a outro vilão: o estresse oxidativo. Ele é resultado do desequilíbrio entre a produção de radicais livres e a capacidade antioxidante do nosso corpo.
Os radicais livres são moléculas superreativas que podem danificar proteínas, lipídios, DNA... e ativar o sistema imune, alimentando ainda mais a inflamação.
Se somarmos isso a uma alimentação rica em ultraprocessados e pobre em nutrientes antioxidantes (como glutationa), temos o cenário perfeito para o caos celular. Resultado? Disfunções generalizadas, inflamação sistêmica e doenças crônicas.
Mas tem solução? Tem, sim.
Antes que você ache que está tudo perdido, saiba que o corpo responde bem a pequenas mudanças. Algumas estratégias que fazem diferença:
Reduzir o peso corporal em 10% já pode ter efeitos positivos no metabolismo.
Priorizar alimentos frescos, preparados em casa, ricos naturalmente em antioxidantes.
Comer mais frutas, legumes, grãos integrais, peixes, azeite de oliva, alimentos probióticos...
Praticar atividade física regularmente — ela ativa enzimas detox, melhora a inflamação e ajuda até no controle do ciclo celular.
Suco detox… Bricadeirinha hahahha sozinho nenhum alimento faz milagre, viu...
Resumo da ópera:
Entender os ritmos do corpo e como eles se entrelaçam com estresse, alimentação, sistema imune e metabolismo é essencial para atuar com mais precisão na saúde metabólica.
Inflamação crônica e sistêmica é sutil, traiçoeira, mas... compreensível. E isso significa: podemos intervir!
No próximo texto, vamos começar a explorar o papel da microbiota, probióticos e a comunicação intestino-cérebro. Vai valer a pena continuar comigo nessa jornada 😉
Vamos?
Beijo procê!
🧠 Alguns artigos científicos para se aprofundar no assunto?
Voilà :)
📚 Germolec D.
Markers of inflammation.
In: Immunotoxicity Testing: Methods and Protocols, Methods in Molecular Biology. Springer Nature, 2018.
📚 Vohr B.
Neurodevelopment: The Impact of Nutrition and Inflammation During Preconception and Pregnancy in Low-Resource Settings.
Pediatrics, 2017.
📚 Phillips C.M.
Dietary inflammatory index and noncommunicable disease risk: a narrative review.
Nutrients, 2019.
📚 Wenveen J.C.W.
The “big bang” in obese fat: events initiating obesity-induced adipose tissue inflammation.
European Journal of Immunology, 2015.
📚 Blasiak A.
Interactions of circadian rhythmicity, stress and orexigenic neuropeptide system: implications for food intake control.
Frontiers in Neuroscience, 2017.
📚 Blázquez E.
Insulin in the brain: its pathophysiological implications for states related with central insulin resistance, type-2 diabetes and Alzheimer’s disease.
Frontiers in Endocrinology, 2014.
📚 Rani V.
Oxidative stress and metabolic disorders: pathogenesis and therapeutic strategies.
Life Sciences, 2016.
De nada :D